Entrevista com Kazuo Chiba Sensei

Por Stanley Pranin

Aikido Journal # 102 (1995)

Quando era jovem e tinha 18 anos, deu uma olhada na foto de Morihei Ueshiba num livro e soube que sua busca por um verdadeiro mestre do budo havia terminado. Atualmente 8º Dan e instrutor chefe em San Diego Aikikai, Chiba Sensei relembra episódios de tempos de uchideshi, e oferece uma explicação detalhada sobre sua própria visão do mundo do aikido moderno.

Aikido Journal: Sensei, entendo que o senhor começou as artes marciais com o judô e depois mudou para o aikido. Talvez poderia nos contar sobre como as coisas eram naqueles dias?

Kazuo Chiba: Bem, eu gostava bastante de budo, especialmente do judô. Um dia aconteceu de me encontrar numa situação onde teria que lutar com um dos meus instrutores mais velho que era nidan. Ele era uma pessoa agradável que havia me ensinado muito sobre o judô desde o dia em que entrei no dojo, e ele havia sido bom comigo de outras maneiras também fora do dojo. Ele tinha um corpo pequeno mas um judô admirável e podia projetar oponentes maiores sem fazer qualquer força. Ele usava bastante taiotoshi e yokosutemi de um calibre que não se vê muito mais. Ele era bastante rápido também.

Ele costumava me derrotar sempre, mas então, por alguma razão eu ganhei a luta durante um kachinuke shiai (luta na qual o judoca continua lutando até ser derrotado). Ele ficou mortificado e disse: “Não posso mais derrotá-lo no judô, mas ainda tenho o kendo!” (ele também era nidan em kendo)

Então uma noite ele apareceu em minha casa e me disse para sair porquê iríamos ter uma luta de kendo. Eu havia treinado judô e karate, mas nunca kendo. Eu imaginei uma coisa que provavelmente funcionaria, então eu saí e nos encontramos num lote vazio. Meu sempai me permitiu uma vantagem me deixando usar um boken de madeira enquanto ele usava somente um shinai de bambu. Ele era tão rápido que eu não podia nem tocá-lo, enquanto seu shinai estalava em meu corpo, uma vez, e outra vez… Acabei tomando uma bela surra.

Aquela experiência se tornou um dos meus despertares sobre o budo. Desiludido, eu parei de ir ao dojo de judô, e comecei a pensar sobre as coisas. Me ocorreu que mesmo que praticasse judô tão seriamente quanto possível, estabelecesse-me como um judoca de alto nível, tivesse confiança em minhas habilidades no judô, as chances eram que eu ainda poderia ser derrotado por um kendoka shodan numa luta de kendo. Do mesmo jeito, se algum professor de kendo que nunca houvesse treinado judô viesse ao dojo, eu provavelmente o derrotaria não importando o quão respeitado ele fosse no mundo do kendo.

Depois de pensar sobre isso por um tempo conclui que algumas coisas estavam faltando, e que algum erro foi cometido, o verdadeiro budo deve ser outra coisa. Um praticante de budo, pensei, deve ser capaz de responder em qualquer circunstância, seja usando espada contra espada, qualquer coisa… Estas simples perguntas me levaram a começar a pensar sobre a natureza do verdadeiro budo.

Aikido Journal: Quantos anos você tinha então?

Kazuo Chiba: Tinha acabado de me formar no colégio, então devia ter 18. Naquele tempo O-Sensei vivia em Iwama então freqüentemente não estava no Hombu Dojo. Mas estava preparado para sentar em frente ao dojo até ser permitido a me tornar um uchideshi. Foi o que fiz, esperando falar com alguém. Eram meados de fevereiro de 1958, e estava frio. Aparentemente as pessoas no Hombu Dojo pensaram que eu era algum tipo de doido. Três dias depois O-Sensei chegou de Iwama. Waka Sensei (Kishomaru Ueshiba) o informou que havia um estranho aguardando e o questionou sobre o que deveria ser feito. O-Sensei disse “traga-o para dentro”, e foi assim que o conheci. Sentei-me no corredor fora da sala de O-Sensei e fiz uma reverência formal. Quando levantei a cabeça e olhei para ele pensei: “Vai dar tudo certo!

O-Sensei disse: “o treinamento do budo é extremamente exigente, você acha que pode lidar com isso?”. Respondi que estava bastante certo que podia, e então ele disse: “Muito bem então!” Foi uma reunião bastante simples.

Aikido Journal: O senhor então dedicou aproximadamente sete anos treinando como uchideshi no Hombu Dojo?

Kazuo Chiba: Sim, e não houve um único dia neste período que consideraria “divertido” de nenhuma forma. Agora olho para a experiência com carinho, mas na época era puro sofrimento. [risos] É claro, foi algo que escolhi para realizar meu objetivo, e não algo que fui forçado a suportar, neste sentido era realmente um luxo, apesar das dificuldades.

Aikido Journal: O senhor deve ter algumas histórias interessantes sobre suas experiências como uchideshi…

Kazuo Chiba: O-Sensei ainda tinha boa saúde quando ingressei no dojo. Durante os sete anos que estive lá vi suas técnicas mudarem rapidamente. Depois de aproximadamente um ano eu havia ganhado um bom domínio sobre o básico então tinha permissão de fazer ukemi para ele.

Treinar com O-Sensei era bastante pesado. Regularmente tive a pele dos meus cotovelos lacerada quando treinávamos irimi-nage, e as mangas do meu dogi estavam sempre cobertas de sangue. As técnicas de O-Sensei eram tão rápidas que eu mal podia fazer ukemi. Pior ainda que fazer ukemi era quando ele o projetava realmente forte e você tinha que levantar rapidamente e não tinha permissão para tirar os olhos dele. Você podia sentir na base do pescoço quando ele o fazia voar por dois metros de tatame. Sua espada era extraordinariamente rápida.

Aikido Journal: Como o senhor descreveria a energia de O-Sensei?

Kazuo Chiba: Era como ser esmagado por uma força invisível. O-Sensei freqüentemente nos dizia para atacá-lo com o boken a qualquer momento. Sempre que ele parava e se virava para falar com seus ouvintes parecia ser uma boa oportunidade para fazê-lo, pois ele não estava olhando na nossa direção, mas mesmo assim ninguém tentava agredi-lo. Ele simplesmente não tinha aberturas. Ele não estava nos observando com seus olhos, mas podíamos senti-lo nos segurando. Geralmente eu suava bastante, então mal podia manter a pegada no boken.

Ainda assim, como seus adversários, manteríamos a tentativa de diminuir a distância. Então, por um instante, uma abertura poderia aparecer. O-Sensei criou pequenas aberturas deliberadamente para nos assistir a treinar nossos poderes de percepção. Ele não usaria pessoas que não pudessem demonstrar uma capacidade de perceber estas aberturas.

Por um instante O-Sensei relaxava ligeiramente a intensidade da força de seu kokyu, corríamos com um ataque, mas ele já havia sumido. Por essa razão parecia combinado. Na verdade, O-Sensei já estava se movendo quando começávamos nosso ataque. Éramos muito lentos ou falhávamos em percebê-lo. Acho esse tipo de coisa extremamente interessante.

O-Sensei dizia que o verdadeiro budo deve ser tão habilidosamente executado de modo que pareça premeditado. Ele dizia que não é budo se você começa seu movimento somente depois do ataque ter sido iniciado.

Aikido Journal: O-Sensei ensinou diferentemente seus uchideshi de outros estudantes nas aulas?

Kazuo Chiba: O conteúdo do treinamento era exatamente o mesmo, mas nós uchideshi éramos explicitamente instruídos para não treinar da mesma forma que os estudantes regulares. Nosso treino deveria ser muito mais duro e intenso, não suave e fácil. O-Sensei era bastante rigoroso sobre isso.

Os uchideshi raramente recebiam qualquer tipo de instrução técnica especial. Pelo contrário, a parte mais intensa de nosso treinamento foi interagindo com O-Sensei em todos os aspectos de sua vida diária, servindo como assistentes pessoais, acompanhando-o quando viajava, preparando suas refeições e banho, massageando suas costas, lendo para ele… e coisas como essas. Quem nunca foi uchideshi pode ter dificuldades em entender o significado deste contato diário.

Aikido Journal: O que o senhor acredita ser a coisa mais importante para as pessoas que estão começando a treinar aikido?

Kazuo Chiba: Pessoas buscam muitas coisas diferentes no aikido, é difícil generalizar. Quando eu era uchideshi havia poucas pessoas treinando no Hombu Dojo, mas todos estavam procurando o chamado “aikido real”. Poucos estudantes eram excêntricos ou incomuns de um modo ou outro, dentre eles aqueles que poderíamos considerar “fanáticos pelo budo”. Era um grupo bastante estranho.

Atualmente há mais diversidade. Algumas pessoas o fazem pela saúde, outras pelos aspectos filosóficos ou espirituais – tudo isso é bom.

Entretanto, a questão importante hoje, é que se você pensar no aikido como uma árvore, tem que ficar bem claro que é que vai assumir o papel das folhas e ramos, e quem vai assumir o papel das raízes e tronco. Enquanto haja pessoas que tomem o papel das raízes e tronco, a árvore continuará sólida e saudável, e os ramos e folhas vão surgir. Então não há nada com o que se preocupar. As pessoas devem ter isso em mente e evitar insistir que o aikido não deve ser do modo que é agora.  Folhas são folhas, e ramos são ramos, eles são parte da árvore. A questão é, quem vai assumir a responsabilidade pela manutenção das raízes e do tronco?

Em princípio não acho que haja antigos ou novos no budo. Temos a palavra “kobudo” que literalmente significa antigo budo. Logicamente o oposto seria “Shinbudo”, ou novo budo, mas na verdade não usamos essa palavra em japonês, não é!? A tendência moderna é o novo budo se tornar um esporte orientado. Provavelmente é correto nomear este esportes de “novas formas de budo”, mas no modo tradicional de pensar, esportes não se qualificam como budo.

É muito difícil dizer até que ponto estas coisas devem ser consideradas budo. Mas no meu modo de pensar, não há dúvidas que o budo é o que gera as raízes do aikido. Os ramos e folhas crescem disso. Todos os outros elementos – aikido como “arte de viver”, como meios para melhorar a saúde, como ginástica calistênica ou exercícios físicos para uma busca estética, todos resultam de uma raiz comum, que é o budo. Isso elas fazem perfeitamente bem, mas o ponto é que elas não são as raízes em si. O-Sensei sempre destacou que “aikido é budo” e “budo é a fonte de poder do aikido”. Se esquecermos isso, então o aikido se tornará outra coisa, uma assim chamada “arte de viver”, algo parecido com o yoga.

Kazuo Chiba Sensei

Chiba Sensei nasceu em 5 de fevereiro de 1940 em Tóquio, Japão. Aos 14 anos de idade começou seu treinamento na Academia Internacional de Judô. Aos 16, iniciou o karate shotokan, e aos 18 deu início aos treinos de AIKIDO. Ele estudou por sete anos como aluno interno(uchideshi) no Hombu Dojo, ao lado de outros como ele, Yoshimitsu Yamada e Mitsunari Kanai, todos aprendendo diretamente com o fundador do Aikido, Morihei Ueshiba. Neste mesmo período ele também estudou o iaido.

Atualmente é 8º Dan Aikikai e fundador do dojo San Diego Aikikai, na Califórnia. Ele também é o fundador da organização internacional conhecida como Birankai International. No mundo do Aikido, Chiba Sensei é conhecido como um dos representantes mais duro e firme. Curto e grosso por assim dizer… rs

Esta é uma das raízes do aikido… Aproveitem!

Mente, corpo, respiração… AIKIDO

Sua mente dá comandos ao seu corpo para fazer ou não fazer algo. A menos que você esteja hipnotizado ou sob efeito de alguma droga, não é possível que você ataque alguém sem consciência de estar fazendo isso. Todas suas ações – boas ou más – são resultado de suas decisões, pois sua mente comanda seu corpo… Muitas pessoas tem devotado suas vidas ao treino da mente… dedicando muito tempo e esforço e tendo sua vida ditada pelo treino da mente.

Talvez não pareça se eu disser que o objetivo do Aikido é entender sua própria mente. Alguns, inclusive eu, talvez nunca consigam isso… Entretanto, devemos tentar enxergar o Aikido como um caminho para este entendimento… um caminho que mostra que nossa mente nos controla.

A mente é um “objeto” estranho… tão incompreensível quanto o KI. Não sabemos onde ela está ou qual sua forma e cor. Não sabemos quanto ela pesa. Sabemos que ela é importante, mas nunca a vimos. Em duas culturas, a japonesa e a americana, nossos olhos, orelhas e boca, estão no mesmo lugar, então a localização da mente deve ser a mesma. Mas não é!

Quando nos perguntam onde nossa mente está, como americanos, apontamos para nossa cabeça. Mas no Japão, eles apontam para o coração!

Treinar o corpo é fácil! Basta irmos a um parque, academia, correr na rua mesmo… depois de pouco tempo, o resultado é visível em frente ao espelho. Mas o treino da mente não é assim tão simples. Seria muito mais fácil se pudéssemos levar nossa mente ao “parque” ou à “academia” e colher os resultados sem muito esforço… rsrs

Você sabe que é o melhor amigo(a) da mente!? A RESPIRAÇÃO!

Nossa respiração reflete nossa mente… se estamos nervosos, respiramos com o topo do peito… quando chegamos em casa depois de um longo dia de trabalho, expiramos como se estivéssemos tirando tudo isso de dentro do corpo… quando estamos assustados, a respiração fica rápida e descontrolada…

Portanto, se treinarmos a nossa respiração de modo consciente, poderemos influenciar a nossa mente… e isto é fundamental para o treino do Aikido… sinceridade, harmonia, respiração tranquila e mente serena…

Último treino do ano

Pessoal… nesta quinta-feira, dia 17/12,  faremos o último treino do ano de 2009. Para fechar com chave de ouro, vamos fazer um treino especial com a participação do pessoal de Maruípe e em seguida uma pequena comemoração com comes e bebes…

No mesmo esquema da reunião anterior… tragam um pratinho doce ou salgado e uma bebida. Quem puder leve também uma toalha para forrarmos o tatame.

Abraço a todos e até breve!